A presidente regulamentou, nesta quarta-feira, 11, o Marco Civil da
Internet. . O decreto aborda questões importantes como neutralidade de
rede e tratamento dos dados pessoais dos usuários, foi publicado na
edição extra do Diário Oficial da União. Entre as principais decisões. O
texto potencializa a missão do Comitê Gestor da Internet no
Brasil
(CGI.br), estabelecendo que a organização multidisciplinar e de caráter
social será responsável por determinar as diretrizes da internet no
País.
Um dos temas que pode provocar polêmica nas mesas de debate é a que
proíbe que operadoras e empresas de internet façam uniões comerciais
para não cobrar os usuários pelos dados utilizados em determinados
aplicativos. Não é nova a discussão. Vis a vis a prática, conhecida como
"zero rating", é bastante popular no Brasil para plataformas e
aplicações como WhatsApp, Twitter e Facebook.
De outra sorte ficam proibidas condutas unilaterais ou acordos entre o
responsável pela transmissão (...) e os provedores de aplicação que
priorizem pacotes de dados em razão de contratos e pactos comerciais ou
que venham a priorizar aplicações ofertadas pelo próprio responsável
pela transmissão, comutação ou roteamento, ou ainda por empresas
integrantes de seu grupo econômico, diz o texto publicado na noite desta
quarta-feira, 11.
A vereda está calcada na neutralidade da rede, ponto fulcral do Marco
Civil da Internet para outras decisões, menciona que todos os pacotes
de dados dos usuários deverão ser tratados pelas operadoras de forma
igualitária, não importando se são, do in box do facebook ou um vídeo no
Netflix. As recentes questões da ANATEL e seu interesse em majorar o
custo do serviço da franquia de dados na banda larga fixa, também foram
alvo de regulamentação, no sentido de que as "ofertas comerciais e os
modelos de cobrança de acesso à internet devem preservar uma internet
única, de natureza aberta, plural e diversa".
A neutralidade da rede ganhou exceções. O princípio só poderá ser
ferido em casos de tratamento de questões de segurança de redes, para o
controle de atividades como spam ou ataques de congestionamento de
serviço. Combatido pelas redes neurais das empresas, este último, uma
das formas mais utilizadas por hackers para inviabilizar o trabalho de
uma empresa que opera com uso da internet, como Cias aéreas, bancos,
emissão de notas fiscais eletrônicas e outras. Ou seja, para o
tratamento de situações excepcionais de congestionamento de redes, pode
ser quebrada a regra.
O Marco Civil da Internet, Lei 12.965/14 sancionado em 23/04/2014
estabelece princípios e garantias, direitos e deveres dos usuários da
internet no país. Desde sua gênese, quando apresentado pelo PL
2126/2011, o processo de aprovação e tramitação se destaca por ser
colocado em debate público por meio de uma plataforma hospedada no site do Ministério da Cultura, possibilitando uma colaboração on-line por parte de toda a sociedade civil brasileira.
Fato é que a edição da referida lei repercutiu de forma positiva não
só no território nacional, como internacionalmente por ter sido adotado
uma postura diversa em relação a outros países que criminalizaram
condutas na rede de imediato ao invés de definir as bases
principiológicas acerca dos direitos e deveres dos usuários.
Por meio das definições constantes em seu texto legal, restou a
intenção de garantir segurança jurídica para os usuários da rede e
provedores no que diz respeito às responsabilidades, como por exemplo
determinando a responsabilidade do usuário que produz conteúdo. De outro
lado, responsabiliza os provedores somente se descumprirem ordem
judicial que determine a retirada de tal conteúdo, uma vez considerado
ilegal.
Regulamentações Necessárias
Como comentado no preâmbulo deste texto, o Marco Civil da Internet
tem em sua criação o objetivo de estabelecer princípios e garantias,
direitos e deveres de forma abrangente e genérica. Com isso, muitos dos
temas abordados por ele necessitam de detalhamentos que permitam uma
melhor aplicabilidade e utilização do texto legal.
Neste sentido, restou novamente aberta a discussão por meio de
consulta pública até o dia 29/02/2016 para que os interessados da
sociedade possam contribuir, apresentando sugestões sobre temas
principais como neutralidade, privacidade, guarda de registros e outros
detalhamentos necessários.
A minuta apresentada na plataforma é o resultado de uma primeira
rodada de discussões ocorrida em 2015 concentrada justamente nos eixos
descritos acima, recebendo mais de 60 mil visitas e cerca de 1.200
comentários. A partir destas avalições e comentários restou elaborado
texto padrão estruturado dividido em quatro capítulos a saber, o 1º
capítulo com disposições gerais, o 2º capítulo trata da neutralidade de
rede, o 3º capítulo versa acerca da proteção aos registros e o 4º
capítulo sobre a fiscalização e transparência. Ao final, restaram
elaborados 20 artigos.
Neutralidade de Rede
Segundo o Marco Civil da Internet, em seu artigo 9º em que se estabelece o conceito de neutralidade, define que “o responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados”.
A priori nos parece simples conforme a redação generalista e
abrangente. Contudo, em discussões extranacionais sobre o tema, temos
diversos entendimentos sobre tal conceito.
Tais divergências se dão pela complexidade existente nas etapas da
prestação dos serviços de telecomunicação que sustentam a estrutura da
rede e suas camadas. Entretanto, há um consenso entre os vários
estudiosos sobre o tema no mundo: quaisquer informações que trafegam
pelas redes deveriam ser tratadas de maneira não discriminatória.
Para adentrarmos ainda mais na discussão se faz necessário entender
mesmo que de maneira geral o funcionamento da rede mundial de
computadores. Neste sentido, devemos ter em mente que a rede se
interliga por meio de uma infinidade de equipamentos com inteligência
necessária para possibilitar a qualquer usuário se conectar e acessar
conteúdos localizados em qualquer lugar do mundo.
Estes mesmos equipamentos que determinam de maneira dinâmica as rotas
por qual os pacotes de dados trafegarão no momento em que um usuário
requisita a informação. A determinação de rotas tem como fatores
determinantes por exemplo congestionamentos de uso de certas rotas, que
naquele transporte da informação é levado em conta para se garantir um
nível mínimo de qualidade e velocidade, evitando o maior esforço.
A discussão em voga vai além da garantia da isonomia de tratamento
dos pacotes que trafegam pela rede. Com o surgimento das novas
tecnologias como as redes da quinta geração (5G) e o gerenciamento da
internet das coisas (IoT), o que se discute é como garantir tal
neutralidade sem prejudicar a necessidade de tráfego privilegiado em
certas aplicações inovadoras que exigem um fluxo e maior controle de
transporte destas informações.
Um bom exemplo aplicado no texto de regulamentação neste aspecto
ocorre no Artigo 4º, ao definir a possibilidade de degradação e
discriminação em cenários específicos: (i) decorrentes de requisitos
técnicos indispensáveis à prestação adequada de serviços e aplicações
ou; (ii) a priorização dos serviços de emergência.
Também entendemos que acerta a proposta de regulamentação ao buscar
definir quais são os requisitos técnicos indispensáveis à prestação
adequada de serviços e aplicações. Contudo, ainda que tenha elencado em
quatro incisos do Artigo 5º e nos casos emergenciais no Artigo 7º, há
margem à mitigação destas obrigações, pois se fez de forma um tanto
quanto generalista e poderiam empresas mal-intencionadas utilizar destas
mesmas definições como desculpas para proporcionar a degradação e
discriminação.
O que se desenha neste cenário, com os ditames propostos no inciso
III do artigo último em comento, é a possibilidade da ANATEL como
agência reguladora no país citada como fiscal neste campo, elaborar
termos numerus clausus com um rol de atividades que seja
permitida a degradação, evitando assim artifícios que priorizem serviços
e aplicações em detrimento a outras.
Nesta esteira, percebemos que as inovações tecnológicas predispõem a
necessidade de distinção. Certas aplicações e serviços precisarão de
capacidade de download com alta velocidade, sem dependência ao
fator tempo. Em outros casos como VoIP não há a exigência de maior
largura de banda, precisam de latência baixa. Ou seja, as aplicações
distintas possuem requisitos de rede distintos, e, consequentemente, uma
rede otimizada será adaptável para sua finalidade.
Outro ponto importante e aplaudido em nossa análise está no Artigo
6º, com a determinação da transparência aos usuários que os provedores
deverão informar de forma inteligível e não com rebuscamento técnico a
possível degradação e/ou discriminação tratadas no Artigo 4º.
Atualmente, muitas entidades buscam explicitar a falta de cumprimento
de contratos de prestação de serviços firmados com os usuários finais, a
despeito da falta de clareza nos contratos, bem como a dificuldade de
provar a latência e não conformidade na entrega de tais serviços. Um bom
exemplo está na iniciativa da FIESP em desenvolver em parceria com o
NIC.br o Monitor de Banda Larga que traz a possibilidade de atestar a
velocidade dos serviços adquiridos pelo usuário final em detalhes.
Exemplos como o roteamento de IP ou diferenciação de pacotes, que a
princípio nos pareceriam discriminatórios, são muitas vezes utilizados
para aliviar o congestionamento do fluxo de pacotes e assim priorizar a
mantença do serviço contratado pelo usuário. Com a transparência poderá
ser informado aos consumidores que se aplicam tais técnicas, e ele
próprio poderá constatar o benefício ou não destas medidas.
Com a regulamentação por meio do Artigo 6º, obrigando os prestadores
de serviços a serem transparentes em suas práticas de gerenciamento que
impliquem na degradação e/ou discriminação, se vislumbra um futuro com
mais qualidade e transparência nos termos contratuais e,
concomitantemente, o aumento no poder de exigir dos usuários que
adquirem tais serviços.
Fato é que as operadoras de telefonia móvel e banda larga fixa devem
prestar um serviço de qualidade às empresas e indústrias. Certo é que a
FIESP criou um medidor de banda larga fixa e móvel, tal a preocupação da
indústria com a qualidade e constância do serviço oferecido. http://www.monitorbandalarga.com.br/instalacao.htm
A Preocupação e utilidade do Monitor Banda Larga da FIESP é o de verificar critérios como a velocidade de download e upload, ou seja, a rapidez com que seus dados são enviados e recebidos pela internet.
Proteção aos Registros, Dados Pessoais e às Comunicações Privadas.
Em tempos de grande exposição por meio das redes sociais, é bem-vinda
a regulamentação acerca dos registros e a forma de requisição de dados
pessoais por autoridades, disponibilizadas por prestadores de serviços
na internet.
Contudo, nos parece um tanto quanto indevida a regulamentação neste
Decreto de tal tema. Mais especificamente as definições apresentadas nos
Artigos 12, uma vez que já está em curso, inclusive com consulta
pública já realizada do Anteprojeto de Lei de Proteção de Dados
Pessoais. Na motivação se apresenta claramente a pretensão daquele
anteprojeto: “Dispõe sobre o tratamento de dados pessoais para a
garantia do livre desenvolvimento da personalidade e da dignidade da
pessoa natural”.
Se observarmos, há uma reprodução com distinções entre os
anteprojetos de definições importantes, como por exemplo, o que são os
dados pessoais, o que é considerado tratamento de dados. E tais
definições colidem entre si, o que gerará certamente uma insegurança
jurídica, sendo a priori mais indicado que se mantenha o tema na lei específica.
Neste aspecto, nossa análise aponta para um maior estudo e
comparativo entre as duas iniciativas legislativas, buscando a
harmonização e, apontando somente questões inerentes ao já previsto no
Marco Civil que não tenha tratamento genérico pelo Anteprojeto de
Proteção de Dados Pessoais.
Fiscalização
Há uma perceptível segmentação da fiscalização dos excessos e
regulamentações secundárias no presente Decreto a ser promulgado. Muito
embora seja priorizado a cada um dos órgãos apontados como
fiscalizadores nos Artigos 15 ao 18 a apuração inerente aos seus
objetivos como entidades de regulação e fiscalização, vemos um sério
risco de conflitos de competência e dificuldade na busca de penalização.
A bem da verdade, o texto apresenta mais do mesmo, uma vez que cada
um dos Órgãos fará o que já deveria fazer. Vejamos por exemplo a ANATEL
segundo o Artigo 15 regulará e fiscalizará as prestadoras de serviços de
telecomunicações, apurando infrações referentes à proteção de registros
de conexão. Certamente, isto já está no cerne de sua atividade
reguladora e fiscalizadora.
Ainda, nos demais casos da Secretaria Nacional do Consumidor, ou
mesmo do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, também suas
abrangências apontadas nos artigos 16 e 17 já existem. Ou seja, a nosso
ver, letra morta e de pouca utilidade tais previsões legais inseridas
neste texto preliminar.
Importante seria apresentar uma forma unificada de apuração de
infrações ocasionadas pela degradação e discriminação na rede, por
exemplo, definindo métodos e práticas periciais que pudessem comprovar
ou não a infringência legal. Este aspecto se fosse tratado no tópico da
fiscalização aumentaria e muito a segurança jurídica para as partes,
sejam prestadores de serviços, seja a sociedade brasileira como um todo,
o que infelizmente ficou esquecido.
Conclusões
A Consulta Pública instituída a partir da necessidade de se colocar
em discussão com a sociedade o Marco Civil da Internet traz prova de que
a sociedade brasileira busca reforçar a democracia e o amplo debate de
questões importantes e que definirão o futuro da nação.
Tratar a regulamentação e seus pontos mais relevantes como a garantia
de Neutralidade de Rede com o intuito de garantir o acesso e utilização
equânime para qualquer cidadão é certamente um exercício de cidadania e
uma evolução para nosso país.
Os pontos abordados acima demonstram que estamos a caminho de uma
regulamentação que privilegie a sociedade no sentido de garantir a
neutralidade de rede. De outra banda, o avanço tecnológico não poderia
ser bloqueado em detrimento desta garantia e, pelo analisado podemos
dizer que houve tal preocupação ao demonstrar que existem situações em
que artifícios técnicos podem ser utilizados para melhorar a experiência
de acesso dos usuários e que a rigidez legal estará contrária a
evolução tecnológica.
Reforçamos a necessidade de uniformização de conceitos conflitantes
entre o projeto analisado e o Anteprojeto de Lei de Proteção de Dados
Pessoais, uma vez que a conceituação apresentada no Capítulo III do
texto em análise se confronta diretamente com as definições já
apresentadas no primeiro, gerando uma insegurança jurídica se mantida
como determinada.
Por fim, os termos apresentados no Capítulo IV como um todo, nos
pareceram menores do que a importância do tema. Isto porque, como
discutimos, os órgãos designados para as fiscalizações e a forma
apresentados, ao final, já fazem este papel por suas próprias essências e
objetivos, restando desnecessários os apontamentos naqueles artigos.
Neste aspecto se consolida nosso entendimento de que melhor seria
definir apurações às infrações de forma a exigir perícias com padrões
definidos que pudessem traduzir a tais órgãos as infrações efetivamente
cometidas pelos prestadores de serviços envolvidos.
Uma empresa demora anos para construir uma marca e sua reputação.
Seria de utilidade para a proteção da história, da honra e da dignidade
da empresa que informações caluniosas, ou degradantes a imagem comercial
da Indústria que notadamente vierem a ferir a competividade, a marca, o
conceito da marca, a imagem dos sócios e da sua família, pudessem ser
removidos de forma Administrativa, ou a requerimento Administrativo, por
exemplo, das Federações de Indústria e outas entidades representativas
às quais a empresa estivesse ligada.
Desta forma, os próprios departamentos jurídicos das Federações de
Indústria, neste exemplo, poderiam fazer o primeiro filtro e juízo de
valor sobre a informação prestada. Uma mentira propagada centenas de
vezes e compartilhada milhares de vezes, pode trazer um dano irreparável
ou de difícil reparação à imagem da corporação ou do setor ao qual ela
pertence. São reflexões para a construção de um novo Marco Civil da
Internet, pautado e alinhado com a defesa da dignidade da pessoa humana e
a preservação da honra e da imagem.
São Paulo, 12 de maio de 2016.
Sobre o autor
CORIOLANO AURÉLIO DE ALMEIDA CAMARGO SANTOS. Advogado. Conselheiro
Estadual eleito da OAB/SP. (2013-2018). Diretor Titular Adjunto do
Departamento Jurídico da FIESP. Presidente da Comissão de Direito
Digital e Compliance da OAB/SP. Mestre em Direito na Sociedade da
Informação e certificação internacional da “The High Technology Crime
Investigation Association (HTCIA)”. Doutor em Direito com certificado
internacional em Direito Digital pela “Caldwell Community College and
Technical Institute”. Professor e Coordenador Nacional do Programa de
Pós Graduação em Direito Digital e Compliance da Faculdade Damásio.
Professor convidado dos cursos de Pós-Graduação da FIA, Mackenzie, USP,
Fazesp, Acadepol SP, EMAG e outras. Desde 2005 ocupa o cargo de Juiz do
Egrégio Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo.
Os Escribas reune um grupo de profissionais de varias áreas para criar um veículo que se contrapusesse ao jornalismo dominante. Análises e informações sobre eventos políticos, econômicos e sociais”. Nosso Conselho Editorial e formado por representantes de diferentes segmentos da sociedade civil brasileira.
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